EDITORIAL – DÉCIMA NONA EDIÇÃO

A imortalidade oriunda da vida do filho, os floretes das boates entrando fundo na carne, as vaginas róseas saltitando nos miolos dum astro decadente, a mosca suscitando os devaneios do porvir dum homem que não mais será, o prazer permitido ao cidadão moderno, o passado ejaculando de volta os prazeres com um garotão viril.

A HOT, mais uma vez, retorna pelos meandros do tempo e retira de dimensões temporais secantes os contos perdidos no espaço hexagonal.  Eles variam do nada ao nulo, do zero ao um, são binários, mas formados por três números, quadrados com raios definidos, possuem a precisão da tangente de noventa graus... Leia e entenda, pois a depravação e o requinte manifestam-se por meio das mais variadas formas.

RACHA RÓSEA


O grande Fred Tompson vagueia por sua sala. Vagueia nu. Nu em pêlo. Embora pouco pêlo tenha. Outrora grandioso diretor e roteirista de cinema. Um ícone do show business. Agora maluco, com muito dinheiro para financiar suas maluquices.
           
Escreveu, dirigiu e lançou um fracasso atrás do outro após enlouquecer. Mas julga-se incompreendido. Sua trilogia, Racha Rósea, composta de três filmes: Bucetinha, Linda Bucetinha, Bucetinha Linda, é por ele considerada uma obra-prima do cinema, digna de ser tombada como patrimônio cultural internacional. Mas a crítica, e até seus fãs, com exceção dos mais excêntricos, não concordaram e repudiaram o seu vanguardista projeto.

No seu vaguear desconcertante. Pensando na incompreensão das mentes mais conservadoras ou mesmo ingênuas, quiça burras pra caralho. Ele grita aos sete ventos pedaços de sua obra:

FETICHE


Muito cedo descobri que eu era diferente, que o que me fazia gozar não era muito excitante para as outras pessoas. Mas eu não me importo com isso.



A TRAQUINAGEM SUPREMA

Já havia passado sete minutos e trinta segundos que esperava o telefone tocar, chovia forte mas nem a capa e nem o guarda chuva impediam que ela se molhasse. Até que, em exatos oito minutos, o som ecoou:

– Como você sabe, seu filho da puta! – a mão feminina, rasgada pelas chagas da idade, quase que espremia o fone do orelhão de esquina riscado pelo vandalismo, o sangue pulsava louco, os músculos franzinos querendo um pescoço, não aquele aparelho público mal cuidado.

NOS CONFINS DA TERRA PROMETIDA

O problema era que os anos não passavam rápido.  E as pestes iam e vinham e destruíam tudo e todos por ali. Menos ele e ela. Ele era alto, de cabelos desgrenhados e sujos. Compridos, escuros. Olhos felinos e negros. Mãos grandes e costas largas. Ela era quase da mesma altura que ele, poucos centímetros mais baixa. Cabelos alaranjados e uma encorpada boca vermelha e olhos amendoados e verdes. Cintura fina. Peitos que se escondiam nas mãos dele, mas não eram pequenos.

Eles não tinham muito a fazer. Estavam condenados a existir. Pelo menos era assim que as coisas aconteciam e nada mudava. O lugar era distante. E vivia em constante mudança. As casas eram abandonadas. Os que não saiam a tempo morriam. Todas as doenças, pragas e pestes do mundo apareciam por ali.

SOBRE HISTÓRIAS E MOSCAS – SEGUNDA PARTE: A AUSÊNCIA DO PROBLEMA DO OUTRO ENQUANTO DEPRESSOR DO ÂNIMO NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA PESSOAL


Novamente encontro-me frente à tela do computador, é o primeiro frio depois da última chuva.

Não há nenhuma mosca me incomodando, não há nenhum barulho me estorvando.

O silêncio é tão grande que posso ouvir minha própria respiração.

Sinceramente eu não saberia o que escrever se a mosca não houvesse aparecido aquele dia, assim como não sei o que escrever agora.

UM BEIJO


Pode-se pensar que quando os jovens morrem, perde-se uma vida que não floriu, se assim é, então não se deve chorar pelos velhos, já que suas vidas não passam de fios prestes a rebentar, mas não queremos a morte de ninguém, pelo menos na frente da sociedade, precisamente dos amigos e da família, mesmo dos inimigos e desconhecidos, então do que serve o desespero? Digamos que seja ele o escape da mente à loucura vindoura da desesperança final; o choro, o sangue podre; os gritos, o socorre travestido de bicho.